domingo, 4 de outubro de 2009

PESCARIA NO GUIRAÍ

Aquela pescaria levou uns três meses para ser programada. Andaram nos dizendo que peixe naquele rio pegava até de mão. Dava de tudo, principalmente dourado porque o rio era de corredeiras.
Fomos em três barcos de alumínio, ambos de seis metros, equipados com motores 25. Singrando o Ivinhema acima, gastaram três horas para chegar. Nunca tínhamos ido tão longe! A tralha de pesca, bebida e comida seguiram num batelão que levou quase um dia para atingir o destino. Fi-caríamos uma semana acampados, e, se tivesse mesmo peixe, até mais que isso.
O rio Guriaí é um afluente do lado direito do Ivinhema medindo não mais que quinze metros de largura, com águas rasas, limpas e violentas. Localizado numa região distante e quase inabitada do Mato Grosso do Sul, era-nos desconhecido. Pela distância, e porque falavam muito da quantidade de peixes ali existente, os preparativos foram diferenciados. Motores de popa revisados, tralhas de pescarias atualizadas, barracas consertadas e até um uniforme para todos os participantes, constituído de uma camiseta verde que trazia os nomes dos participantes nas costas e a seguinte frase, na cor branca: “my soi tranqüilo, Güraí”.
A comitiva também foi grande: o Diego, o Dirceu, o Mandinho, o Terêncio; o Nego, piloteiro do batelão e cozinheiro da comitiva; o Urtigão e eu.
Armamos as barracas junto de uma casa abandonada na barranca do Ivinhema. Estávamos, aproximadamente, a setenta quilômetros de sua foz, no rio Paraná e aqui ele se apresentava bem mais estreito. O Guiraí ficava duzentos metros abaixo, do outro lado do rio. Queríamos ficar na sua desembocadura, mas as margens eram tomadas por um pantanal enorme, com capins de folhas largas, que cortavam como navalha. Essa situação impossibilitava qualquer tentativa de acampamento. A primeira impressão que se teve foi de que toda aquela propaganda feita, não correspondia com a realidade que se via.
Quem primeiro se negou a pescar no Guraí foi o Terêncio. Acostumado ao mundão de água do rio Paraná, disse que um riozinho esquisito daqueles não tinha peixe e partiu Ivinhema acima, a procura de um lugar para armar seu famoso espinhel. Junto seguiu o seu sempre companheiro de barco Dirceu.
Terêncio era exagerado na armação do espinhel. Levava sempre consigo um rolo de arame liso, desses que se usa para fazer cercas nas fazendas de gado, e o esticava de um lado ao outro do rio. Depois ia armando as cordas distantes uns dois metros uma da outra. Se perguntado por que não usava uma corda comum para a linha mestra, dizia que se fisgasse um peixe grande ele poderia arrebentá-la.
Logo acima do acampamento, encontrou um lugar fundo que achou ser ideal para os seus propósitos. Armou a tralha toda, iscou-a com a ajuda do Dirceu e apelidou aquele lugar de “Poço do Jaú”. Na volta imaginou peixes enormes já fisgados e os companheiros de pescaria foram induzidos, pela sua convicção, de que a pesca estava garantida.
Já era meia-noite quando retornou da primeira vistoria ao espinhel do poço do jaú. Não nos deu notícias de peixes fisgados, mas fomos informados que, não muito distante, rio acima, estava acontecendo um baile num lugar que nos disse devia ser um vilarejo. Quis ir até lá, mas foi convencido, pelos demais participantes, que aquilo seria uma loucura sua. Sabíamos da paixão que nutria pelos bailes, mas não estávamos ali para danças. Não dormiu e não deixou ninguém dormir naquela noite, porém atendeu ao nosso pedido.
Logo cedo os preparativos da expedição ao Guraí foram iniciados. As expectativas eram grandes! Arrumaram-se as bóias, montaram-se os molinetes, separaram-se as iscas, abasteceram-se os tanques de gasolinas dos motores.
Terêncio não quis ir junto. Disse que lá não tinha peixes e que não perderia seu tempo empurrando o barco num rio que enroscaria a hélice do motor o tempo todo. Aproveitaria a manhã daquele dia para investigar o local onde acontecera o baile.
Também faria um reconhecimento da vizinhança toda, procuraria lugares para amarrar os anzóis de galho.
Tinha consigo que aquele lugar não era bom. Achava o rio sem matas nas margens, o que criava um ambiente desfavorável à fartura de peixes tão divulgada na cidade.
Com as providências tomadas, partiram dois barcos para o Guraí, Terêncio subiu o Ivinhema. Ficou no barraco o Nego para cuidar das coisas e preparar o almoço. Disse que iria pescar lambaris e piauzinhos na barranca para fazer um tira-gosto no almoço.
Não demorou muito para se dar razão a Terêncio. Aquele rio não podia mesmo ter peixes e realmente era impossível navegar nele com motor de popa. Corria-se o risco de quebrar ou danificar as hélices pela quantidade de troncos de árvores e pedras que apareciam na flor da água. Subir no remo era impossível, pois as corredeiras eram muito fortes.
Para encurtar a história: daquele rio, naquela manhã, não saiu um peixe, nem passou barco algum que pudesse nos dizer onde estavam os dourados de que tanto falaram.
Conto este caso há mais de quinze anos depois de acontecido, mas minha memória ainda tem bem nítida que nos dias todos que passamos ali, não saiu um peixe bom: nem no Guiraí, nem no poço do jaú. O Terêncio também pouco descobriu em suas incursões e nem quis falar do que viu. Passávamos o tempo tomando banho numa margem rasa do Ivinhema que tinha, no seu fundo, seixos redondos que massageavam, mas também machucavam nossos pés.
Organizamos disputas de tiro ao alvo e realizamos travessias a nado de uma margem a outra do rio.
Quando a carne e a cerveja estavam por acabar, achamos que era hora de voltar.
Essa expedição frustrada poderia ter caído no esquecimento, mas, um dia desses, revendo meu guarda-roupa, no fundo de uma gaveta, encontrei aquela camiseta verde que serviu de uniforme nesse acontecimento. Foi ela que, sem falar nada e já com sinais de deterioração, fez-me lembrar dessa pescaria.
E nós tínhamos caído no conto do pescador!

Um comentário:

  1. Adoro seu jeito de escrever e de ver a vida. Ri muito ao longo da pescaria e no final de tudo o que te leva a lembrar é a camiseta guardada, não sabia que você também tinha este vício de guardar a roupa pra posteridade, mas taí se já não serve para uso serve para as memorias. Parabéns pelo post. Bjs e uma ótima semana de Plenária...e eu aqui só no sossego e cuidando da saúde que teima em não querer sarar...

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