Quando me preparava para retornar de uma das pescarias no rio Paraná, ganhei um incalculável número de piranhas, todas bem acondicionadas em bastante gelo.
Disse-me o Tião que agüentaria a viagem sem qualquer problema. Explicou-me que aquilo era ingrediente de um excelente prato que chamou “Caldo de Piranha”. Detalhou-me com cuidados os benefícios, e, por fim, disse ser"afrodisíaco". Era sempre esse caldo que salvava os pirangueiros na satisfação completa das suas amadas, afirmou-me.
Observei aquele pacote gelado e fiquei a me perguntar como seria possível arrancar dali tanto "fogo". Pedi-lhe a receita que anotei com cuidado, indiferente às gozações que faziam meus com-panheiros.
Na festa que sempre fazíamos, algum tempo depois de todas as pescarias, que tinha a finalidade de colocar as conversas em dia, relembrar os peixes que haviam escapado e para se iniciar as programações da próxima, divulguei que ofereceria o famoso caldo. Apelidaram-no “o caldo bomba atômica”.
Deixei aquele pacote o dia todo fora do gelo para que descongelasse e de tardinha os peixes tinham descongelado. Tirei as escamas com cuidado, lavei as peças, pedi uma panela de ferro de uns dez litros, enchia de água, coloquei aqueles peixes dentro e deixei fervendo por duas horas, conforme previa a receita do Tião. Ao final, estavam derretidas e um amontoado de espinhos ocupava espaço na panela. Pedi um “mix” e triturei aquilo tudo, sem tirar nada, nem os olhos das piranhas. Ficou um misturado grosso e viscoso, até meio esquisito, que alguns curiosos observavam e faziam comentários:
- Tomar caldo de um bicho que come gente!
- Cabeça de peixe tem que ser jogada fora!
- Comer os olhos, nem pensar!
- Não escaparam nem os dentes!
Continuei o trabalho executando uma peneirada. Era para tirar os mais grossos e fui adicionando água até ficar no ponto. Na seqüência foi só temperos: sal, salsa, cebolinha verde, alho, cebola, alecrim, pimenta do reino, alfavaca e malagueta. Um pouco de ajinomoto para dar o equilíbrio.
Uma última fervura, umas provadas, algumas gramas de sal que faltavam e estava pronto.
O Tião me dissera que poderia ser servido em xícaras como uma espécie de entrada. Devia ser bem quente, e seria melhor consumido caso a temperatura ambiente estivesse baixa.
Fui o primeiro a saborear, como a querer provar aos presentes que não era veneno. A princípio aquele caldo parecia incutir curiosidade nos presentes, principalmente entre as mulheres. Mas foi sendo consumido, consumido e consumido. Em pouco tempo a panela estava vazia.
Queriam a receita, pediam o nome dos temperos utilizados, pois, confessavam que nunca haviam tomado um caldo tão gostoso.
Estão a me perguntar se os efeitos propagados pelo Tião tinham fundamento. Uns disseram que não sentiram nada de anormal; outros andam a dizer que a coisa funcionou. Querem agora uma pescaria no pantanal, porque o rio Paraná quase não tem mais piranha.