sábado, 17 de outubro de 2009

PESCA DE ARRASTÃO




Um dia encontrei Fermino numa atividade diferente. Pouco ligou com nossa chegada. Limitou-se a nos cumprimentar e disse que ficássemos à vontade, porque não podia nos dar atenção naquele momento.
Ele e mais duas pessoas, que me eram desconhecidas, limpavam peixes. Nunca imaginei que tudo aquilo havia sido pescado naquelas águas. Tinha um número incalculável de corimbas, piaparas, piaus, até dourados e alguns pintados. Estavam amontoados em baixo de uma grande figueira. Era tanto peixe que chegava a um metro de altura e uns três de circunferência.
- Precisamos apressar o trabalho, o caminhão frigorífico está lá no Porto e parte amanhã cedo para São Paulo – informou Fermino.
Era impressionante a rapidez e o conhecimento que demonstravam na limpeza da tripada daqueles peixes! As vísceras eram jogadas direto no rio, onde piranhas faziam a festa, devorando tudo e se agredindo quando os restos eram disputados.
Naquele dia Fermino não quis conversa, nem pediu cachaça. A tarefa de preparar o produto gerava um silêncio completo entre os três. Pareciam até angustiados. Por certo precisavam cumprir com a tarefa e calados ficaria mais fácil de apressar o trabalho e pôr a cabeça para funcionar calculando o dinheiro que receberiam.
Era necessário aproveitar a época de rio baixo e as muitas praias onde passavam os arrastões de malha doze, que era para pegar só os mais graúdos. Depois – na época de rio alto – teriam que abandonar aquelas ilhas ou se empoleirar nos troncos das árvores e comer algum tatu que não conseguiu fugir das águas, ou uma que outra capivara perdida.
- O peixe já está vendido? – arrisquei-me a perguntar.
- Ta sim sinhô, é só chegá lá no porto com o bicho limpo e pesá. Os home paga e põe no gelo!
- Mas como foi que pegaram tanto peixe?
- De arrastão, uai!
- Que é arrastão? - Indaguei curioso.
- Óia ali!
Havia uma rede enorme amontoada na barranca próxima do rio. Voltei sem saber como era usada, porque depois de ter parado por uns minutos e enrolado um palheiro, informou-me que o serviço estava atrasado. Entregou-se ao trabalho de cortar peixes e não falou mais.
Entendi que não conseguiria nada de Fermino naquele dia. Nos despedimos dizendo que voltaríamos numa outra oportunidade.
Ao chegarmos ao porto, lá estava o caminhão com placa de São Paulo. Porque tinha o motor ligado, pensei que se preparava para ir embora. “Aquilo era assim mesmo” - disse-me o motorista. O baú era uma câmara frigorífica que necessitava do funcionamento quase permanente do caminhão para fazer e manter o gelo. Falei-lhe do Fermino que ainda tinha muitas horas até terminar a sua tarefa de limpar peixes. Informou-me que sabiam do produto dele e que esperariam a carga.
O dono do barzinho localizado na costa daquele rio enorme e que acabara de trazer uma cerveja gelada, perguntado para explicar o que era uma pesca de arrastão, pacienciosamente assim se expressou:
- Primeiro, a pesca de arrastão está proibida no rio Paraná. Dá cana se alguém for pego praticando isso. Mas é um tipo de pescaria que pega muito peixe. Por isso, o pessoal pesca escondido. É necessário um equipamento só, que é a rede. Ela deve ter, no mínimo, cento e cinqüenta metros de comprimento, bom é duzentos e dois de altura. Malha recomendada é a doze, porque deixa passar os peixes pequenos e aprisiona bem os graúdos. A pessoa que vai comandar a rede tem que conhecer do assunto. E não só conhecer do assunto, mas também escolher um lugar bom para lançá-la. Esse lugar é sempre uma praia. Dessas que surgem no meio do rio quando ele está baixo. Tem que ser de noite, quando a lua está escura. O segredo é chegar logo de noitinha e ficar quieto, sentado na areia, de rede pronta, só esperando as batidas dos peixes. É bom nem fumar, nem conversar. Quando começam as batidas é sinal que o bicho está encostando. Eles vêm vindo de vagarinho, vem comer no raso. Às vezes são tantos que vocês não acreditam, é só vendo. Fazem um barulhão danado e então está na hora de começar a esticar a rede. Duas pessoas conhecedoras do assunto é o suficiente. Uma pega a ponta da rede e vai puxando, puxando, rio adentro até quando recebe um sinal, geralmente um assobio daquele que ficou na praia. Isso significa que a rede foi toda esticada para dentro do rio, que naqueles lugares mal chega a um metro e meio de água. Começa então o trabalho de puxar a rede rio abaixo, até atingir de novo a areia da praia. Forma-se um bolsão enorme e os peixes que ficam ali dificilmente conseguem escapar. Começa o trabalho da “puxação”. Você já sabe se tem bastante peixe, porque começa uma “bateção” infernal. É que o espaço fica cada vez mais pequeno. Os dourados, porque são muito violentos, se não ficarem malhados, pulam por cima e vão embora, mas os outros vêm todos. Tem lanços desses que pega tanto que nem dá para puxar a rede de tanto peso. Tem vezes que chegam a duzentos, trezentos quilos numa só “arrastãozada”.
- Mas isso é uma covardia – exclamei preocupado!
- Não, o rio tem peixe pra encrenca, e, depois, os pequenos sempre escapam!
- E por que então é uma pescaria proibida? - perguntei.
- Tem pescador que não respeita a malha, usa uma bem pequena, que é pra não escapar nada.
- Então foi dessa forma que o Fermino pegou aqueles peixes todos? – indaguei já entendedor da façanha.
- Não tem outra forma, só no arrastão!
- Os peixes vão acabar, não tem jeito de não ser assim! Existe fiscalização para esse tipo de pescaria?
- Existir existe, mas os homens nunca passam por aqui. Quando estão para vir, todo mundo fica sabendo uns dois três dias antes. Todos os que têm, escondem os apetrechos e eles não encontram nada.
- Mais uma cerveja, falei.
O rio recebia os últimos raios do sol avermelhando as águas que desciam. Agradeci a aula de “pirangagem” que havia recebido, mas era hora de partir. Os pernilongos já começavam a se alvoroçar.
O batelão de Fermino, na ponta da ilha, aparecia roncando e fazendo fumaça.
Chegou Fermino! Foram-se os peixes! O rio ficou mais pobre!

Capítulo do meu livro Quando faltam peixes, sobram histórias - página 109

Um comentário:

  1. MARIO, ADORO LER-TE!!
    TADINHOS DOS PEIXES...EU ADORO PEIXE,KKKK
    MAS FAZEM COVARDIA SIM...
    ÓTIMO FDS!!!
    ABÇAO,
    ELANE
    AH Q LEGAL Q ACHOU O SERGIO.

    ResponderExcluir